quarta-feira, 3 de julho de 2019

Monte Roraima

Olá pessoal, meu nome é Jiri, sou um tcheco que vive no Brasil há 13 anos e agora vou escrever como um “guest writer” sobre a minha experiência no monte Roraima. Obrigado Daniel e Guadalupe por me dar esse espaço, vou tentar não assassinar o português!

Monte Roraima

Tem várias opções com quem subir o monte, desde guias brasileiros ou venezuelanos, que vocês podem contratar diretamente, ou agências de turismo, tanto no Brasil, quanto na Venezuela. Eu decidi comprar o pacote em uma agência brasileira chamada Clube Native. Gostei dos reviews deles na internet, atendimento no WhatsApp e claro, do preço. Aaaaah, o preço. Então vamos lá. Em julho 2018, a subida com a agência estava 1.500 reais. Isso inclui transfer de Boa Vista, comida (sobre comida mais em baixo), barraca, saco de dormir e isolante térmico. Há também uma possibilidade de contratar um carregador de até 15 kg por 350 reais e de alugar os walking poles por 50 reais, entre outras coisas.
Então, vamos lá, vou começar logo com as dicas baseadas na minha experiência. Eu já tinha feito trilhas de um ou dois dias, porém sempre de uma base fixa, com chuveiro, energia, etc. Os sete dias de trilha sem civilização requerem uns cuidados extra, se vocês querem realmente aproveitar a viagem. Como eu escrevi em cima, eu fui em julho e fui avisado que julho é super chuvoso. Perguntei os guias quando eles recomendam subir o monte e todos falaram que a melhor época é no final do ano, até fevereiro. Nessa época chove bem menos. E a chuva no Roraima é uma coisa importante para se contemplar.

Roupa impermeável. Eu comprei uma jaqueta impermeável da Decathlon. No site diz “3a camada impermeável”, e essa realmente não passa água. Vi pessoal levar jaquetas “impermeáveis” que não aguentaram chuva nenhuma vez. Então é realmente importante testar isso antes. A jaqueta que eu comprei, era uma jaqueta simples, mas considerando o frio no topo, eu recomendaria comprar uma que tem a parte interna com fleece removível. Esse fleece vai fazer diferença lá em cima! Eu tinha comprado a calça impermeável na Decathlon também, mas transpirei um monte dentro. Além da jaqueta, estava com poncho de plástico, aquela capa de chuva que todos conhecem.

Botas. Nem preciso falar que deveriam ser impermeáveis né? Os carregadores sobem de Crocs e tênis rasgado, mas eu recomendo levar botas confortáveis e claro, usadas! Bota nova = bolhas. Eu pessoalmente não quis pagar 800 reais na Timberland e foi com a bota da Decathlon que custa 450. Ela é mais pesada e quente mas foi a minha melhor amiga da viagem! Meu sapato era impermeável, mas como estava quente no primeiro dia, saí andando de short e quando começou a chover, toda água da capa descia para dentro do sapato. Depois desse dia, só andei com a calça impermeável que cobre as botas. Suei, mas as botas não ficaram alagadas. A gente transpira tanto, que a meia fica molhada, mas daí não tem jeito, suar vocês vão com certeza!

Mochila. É necessário usa-la com capa impermeável, claro. Como sou quase um garoto propaganda da Quechua, a mochila também foi da Decathlon. Eu carreguei a minha mochila o tempo todo, mas fui único do grupo. O resto decidiu pagar os carregadores depois do primeiro dia. Se vocês decidirem não contratar os carregadores enquanto no Brasil, eu recomendo levar dinheiro para a viagem, porque
quem for decidir usar o carregador na trilha, tem que pagar diretamente a ele. Cash mesmo. Realmente é mais confortável andar sem a mochila, especialmente na hora H, subindo e descendo o monte. 300 reais não é tanto e é melhor decidir isso antes, porque o guia pode contratar mais carregadores em Piratepuy. Decidindo isso durante a trilha acaba sobrecarregando os carregadores que já estão cheios de coisas. Voltando a mochila, nós pegamos chuva no primeiro dia. É importantíssimo embalar todas as coisas na sua mochila em sacos de plástico. Eu achei um absurdo pagar 40 reais em um rolo de sacos, mas tem que ser um saco que não rasga facilmente e é um dinheiro bem investido. Chuva com vento em uma planície, sem lugar para se esconder, a água entra em tudo. Mesmo estando com a capa, a mochila molhou. Aliás, tudo molhou.

Água. Isso foi minha preocupação antes da viagem. Como será com água. Levei um CamelBak da vida mas no final deixei ele em Boa Vista. A minha solução foi usar duas garrafas de Gatorade. Só um litro de água? Só. E foi suficiente. A minha mochila tem duas alcinhas na frente, onde cabe a garrafinha da Gatorade certinho. E graças a seu formato, ela fica firme ali, e bem fácil para pegar. Eu colocava uma atrás, na tela por fora da mochila, e a outra na alça da frente. A outra alça eu usava para carregar o celular dentro da capa impermeável. No caminho tem vários riachinhos, então sempre tem lugar para pegar água. O CamelBak que eu ia levar tem capacidade de 3 litros, quer dizer 3 kg a mais para carregar nas costas.

Remédios. Cada um conhece o seu corpo, então pensam bem no que levar. Bolhas com certeza aparecerão. Eu, por exemplo, fiquei doente no primeiro dia. Peguei intoxicação alimentar em Boa Vista antes de ir para o monte. Então levei carvão ativado e pro bióticos – recomendo levar – mas não
imaginava que a minha imunidade não ia aguentar a primeira chuva. O que me salvou foi anti-inflamatório e gargarejo de água com sal, mas dei bobeira de não levar nada para a minha garganta que gosta de inflamar. Antibiótico, mesmo se não for necessário, pode fazer diferença. Própolis também. Mas isso foi no meu caso, cada um sabe o que precisa. Fiquei mal com febre lá em cima e perdi um passeio bonito por causa disso.

Emergências e seguro. Chegando na sede da agência de turismo venezuelana, fomos informados que a equipe carrega um telefone de satélite e que um minuto para Brasil custa 20 reais. Se alguém tiver um problema lá em cima, um helicóptero pode ser enviado, porém, somente depois de pagamento de 12.000 reais. Quando é confirmado o recebimento desse dinheiro, o helicóptero levanta e vai buscar o
turista. Do primeiro acampamento até o vilarejo indígena Piratepuy, existe a possibilidade de voltar de moto por 100 reais, se eu não me engano. Um casal do nosso grupo teve que voltar de moto depois de ficar exaustos na descida, então é bom ter um dinheiro extra na viagem, pois isso é pago diretamente para os indígenas no local. Eu fiz um seguro de viagem que me custou 180 reais, mas com cobertura de 50 mil dólares. Acredito que vale a pena, sabendo os preços do passeio de helicóptero ...

Comida. Agora a comida. Antes de escrever qualquer outra coisa, vou te dizer, se você é chato para comer, então não vá! A comida é inclusa, são os próprios guias que preparam tudo e é suficiente. Mas
eu tenho que falar, que a comida deles é mega oleosa e bastante salgada. Eu como tudo e os três primeiros dias o meu estomago cooperou, mas depois desses três dias tive que diminuir a ingestão de comida oleosa porque o estomago começou a reclamar. Fui de 70 para 68 kg em uma semana, mas não sofri. Bom, quando eu for de novo, vou levar umas coisinhas para comer e pagar um carregador. Leite em pó seria uma das coisas, porque 7 dias sem leite no café foi demais. Hahaha. Eu usava Clor-in na minha água toda vez, depois da intoxicação alimentar em Boa Vista, mas eles preparam o suco com a água do rio, então tem que relaxar um pouco. Também é melhor olhar para outro lado quando lavam a louça, porque a cor do pano e da água pode dar medo. Mas no mato é assim.

Banho. Os carregadores carregam um chuveiro elétrico, então é uma beleza tomar banho. SQN. É importante levar um sabonete biodegradável e deixar frescura de lado. No começo eu achei a água fria, mas depois que senti a água lá em cima, achei a água em baixo quente. Tomei banho pelado, como várias outras pessoas, mas quem tiver problema com isso, é só levar uma sunga ou biquíni. Tá bom, eu não ia falar, mas confesso, lá em cima eu não tomei banho, quase três dias... A vista é bonita, mas a estadia em cima é sofrida. Não sei se é porque estava doente, mas passei muito frio mesmo. Eu dormia com meia, calça, segunda pele, uma camiseta e moletom fleece, dentro do saco de dormir, em cima do isolante térmico e mesmo assim tremia de frio. Realmente sou friorento e não gostei dessa parte. Por mim, um dia em cima seria suficiente. Mas ao mesmo tempo, tenho que falar que não vi muita coisa. Dizem que tem muito para fazer no topo. Eu pessoalmente adorei andar em baixo do monte. Como diz uma das turistas, é como se tivesse andando na tela do Windows. Maravilhoso!!!

Energia. Isso é fácil, não tem em lugar nenhum. Levei só celular para tirar fotos e um carregador portátil. Era mais do que suficiente. Tenho Moto Z e na saída de Boa Vista já coloquei no modo avião e só carreguei uma vez, depois de 4 dias.

Crocs. Recomendo levar Crocs ou Cracs ou similares para atravessar os rios e andar nos acampamentos. Não levem havaianas. Uma turista do nosso grupo perdeu a havaiana dela no primeiro dia no rio na hora do banho. Crocs ficam mais firmes no pé, presos. São super leves e eu amarrei eles por fora da minha mochila que foi super prático.

Repelente. É bom levar um repelente bom. Esses simplesinhos não funcionam depois de meia hora. Os puri puris são bravos e picam o tempo todo. Só no topo que não tem insetos, o resto do caminho é complicado. A minha estratégia foi usar calça e jaqueta nos acampamentos. Deste jeito não precisei tomar banho de repelente.

Banheiro. Um carregador levou dois banheiros. O banheiro é um tipo de barraca (fotos em baixo). Os zíperes estavam estragados, mas o banheiro foi virado para a natureza para garantir privacidade. Não tem nada melhor do que sentar em uma cadeira com saco plástico com cal, olhar para a natureza e fazer uma forcinha. Xixi é no mato, claro.
O banheiro do lado esquerdo, com uma vista maravilhosa!

A vista do banheiro. Como dizia o comercial do Mastercard: O saquinho plástico - 10 centavos,
o cal no saquinho - 20 centavos, uma vista dessas - não tem preço!!!




Na trilha é bom ter uns cuidados básicos. Eu vi três cobras nos 7 dias. Sempre andei primeiro porque eu gosto de silêncio e porque ando relativamente rápido. Isso não é um problema, porque só tem um caminho, não tem como errar. Aliás, andar rápido foi muito bom para mim, porque depois do primeiro dia não peguei mais chuva. O resto do grupo pegou chuva todos os dias!!! Toda tarde chovia, então quem estava na trilha na hora da chuva, molhava. E na hora de subir o monte mesmo, tem que passar por baixo de uma cachoeira. Quando eu passei, só pingou em mim, mas depois que chegamos no acampamento no topo, choveu e daí virou uma cachoeira de verdade. Os outros chegaram totalmente molhados e tremendo de frio. No topo estava em volta de 10 graus, mas com “150%” de umidade e vento.


O percurso


1º dia
6 horas da manhã – táxi até a fronteira, depois Toyota Landcruiser até Piratepuy. Chegamos em Piratepuy já umas duas da tarde porque os índios não queriam nos deixar entrar. Depois de mais de uma hora de argumentação foram convencidos e autorizaram a nossa entrada. Recomendo comer bem na parada entre Boa Vista e a fronteira, porque depois só em Piratepuy. De Piratepuy até o primeiro acampamento são 14 km. Chegamos um pouco antes das 18h no acampamento. Maioria do caminho é no plano. Tranquilo


2º dia
10 km – das 11 às 14 horas. Tem que atravessar dois rios, então saí de “Cracs” e só calcei as botas depois do segundo rio. Subida constante até o acampamento base, mas nada extremo.


3º dia
Cca 4,5 km - das 10 às 13 horas. O dia da subida. Fomos até acampamento Guacho no topo. Essa subida é divertida, bem íngreme maioria do tempo.


4º dia
Andamos no topo, mas a tarde fiquei muito mal e fraco de febre e fiquei no acampamento. Foi único dia sem chuva dos 7 dias.


5º dia
Só chuva e neblina. Tentamos ir nos mirantes mas o tempo estava completamente fechado. O dia perdido devido ao clima.


6º dia
A descida. 14 km - das 9 às 14 horas. Eu poderia chamar esse dia de dia das bolhas. Até então não estava com nenhuma, mas nesse dia apareceram 6. Desci a montanha meio rápido, fugindo da chuva. Isso foi bom, porque além de não pegar a chuva, a travessia do rio foi tranquila. Pessoal que foi mais devagar molhou e teve que enfrentar o rio bravinho depois da chuva. Dormimos no mesmo local do primeiro acampamento.

7º dia
14 km - das 8:30 às 11:30 horas. A volta para Piratepuy foi tranquila. Chegando em Piratepuy, o carro já estava nos esperando. Descemos para almoçar em um restaurante na estrada, fomos levados até a fronteira onde o taxi já estava esperando e nos levou para Boa Vista.


1º e último acampamento e Kukenán no fundo

Piedra de la Tortuga
Acampamento no topo do monte
O banheiro (com chuveiro estragado, mas uma vista do Kukenán que tira fólego)
Superfície lá em cima parece de outro planeta
O monte sempre no meio de nuvens!





A vista logo chegando no topo da trilha
O nosso guia, Serge, foi ótimo. Toda equipe foi - Ricky, Josué, Manuel, Augusto e Humberto. Muito prestativos. O Manuel é um mestre sapateiro. Arrumou sapatos arrebentados do pessoal e até uma alça de mochila. Ricky fez um pão caseiro maravilhoso. O Serge acompanhou o casal que estava com dificuldade para descer e por causa disso andou 20 km a mais, no escuro. A equipe foi realmente ótima!!
Quando eu for voltar, vou querer ir com o Serge novamente! Sem dúvida.

Os três carregadores/cozinheiros/sapateiros/auxiliares de cozinha
e muito mais com 4 zumbis brasileiros

Jiri

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